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Julgamento virtual e modulação de efeitos no STF 

É lugar comum dizer que a ferramenta virtual de julgamentos transformou substancialmente a vida dos Tribunais brasileiros e, em especial, do Supremo Tribunal Federal. Ao tempo da elaboração deste artigo, o painel de estatísticas da Corte registrava em 99,5% o percentual de participação do plenário virtual no total de julgamentos em 2024 – mesma marca de 2023. 

Especialmente a partir da pandemia, quando a ferramenta entrou de vez e a fórceps na vida dos jurisdicionados, os procedimentos virtuais têm sido objeto de constante debate e aprimoramento pelo STF. Por exemplo: (i) em 2020, foi substancialmente alterada a Resolução nº 642, editada no ano anterior, para dispor, dentre outros temas, sobre as hipóteses de destaque de julgamento virtual, assim como as opções de voto e a consequência da sua não declaração; (ii) ainda em 2020, com a Emenda Regimental nº 53, ampliaram-se as hipóteses de julgamento virtual, regulamentando o procedimento de sustentação oral; e (iii) em 2022, a Emenda Regimental nº 58, também se valendo do ambiente virtual de julgamento, definiu procedimentos para o fomento da colegialidade no Tribunal, como a convocação de sessões extraordinárias na modalidade virtual e a inclusão automática em sessão virtual das cautelares concedidas monocraticamente, a fim de que o seu referendo seja avaliado pelo colegiado competente. 

Até o momento, um tema parece ter ficado de fora dos aprimoramentos procedimentais e institucionais desses últimos anos. Refere-se à modulação de efeitos, que não foi especificamente contemplada na regulamentação do ambiente virtual de julgamentos. Ante o caminho normativo que hoje se encontra bem pavimentado, é o chegado o tempo de discuti-la. 

Como se sabe, a técnica é de especial valia no controle concentrado de constitucionalidade. Por meio dela, a corte constitucional pode delimitar os efeitos temporais de sua decisão, estabelecendo marcos específicos para a (in)validação de atos ligados ao objeto da ação examinada. Como se trata de questão costumeiramente aventada no curso do julgamento – muitas vezes, após formada a maioria pela invalidação do ato impugnado –, é comum referir-se a essas etapas sequenciais como ilustrativas do caráter bifásico dos julgamentos no controle de concentrado de constitucionalidade [1]: primeiro, colhem-se os votos sobre a (in)constitucionalidade do objeto da ação; após, se suscitado o tema, faz-se nova rodada para a coleta específica dos votos sobre modularem-se os efeitos da decisão. 

Em julgamentos presenciais, esse procedimento é, em regra, facilmente realizado. Caso trazida em algum voto, basta que o Presidente do colegiado indague a posição de cada integrante sobre a questão, seja na mesma assentada, seja em outra especificamente marcada para esse fim. 

No entanto, a mesma facilidade não se vê nos julgamentos virtuais. As atuais limitações do plenário virtual, na verdade, acabam permitindo indesejáveis situações de insegurança jurídica. Tomemos, por exemplo, caso em que a modulação de efeitos, embora veiculada no voto do Relator, não foi objeto de consideração específica por todos os Ministros. Nessa hipótese, a sessão virtual deveria ser suspensa para coleta individualizada de votos sobre a modulação ou seria possível entender que, não atingido o quórum, a proposta teria sido rejeitada – já que, constante do voto do Relator, ao qual todos têm acesso desde o início da sessão virtual, seria em tese possível presumir sua rejeição? 

Outro: e se a modulação for aventada por outro Ministro, que não o Relator, no curso do julgamento virtual e a sessão acabar sem que todos os demais integrantes tenham se manifestado especificamente sobre a proposta de delimitação dos efeitos temporais? Nesse caso, o julgamento deverá ser suspenso ou também seria legítimo presumir que a proposta foi rejeitada? 

Mais um: e se algum dos Ministros não se manifestar na sessão virtual e o quórum para se modularem os efeitos da decisão não for alcançado por esse motivo, deve ser designada nova sessão para a tomada específica desse voto faltante e potencialmente decisivo? 

Tais hipóteses não encontram resposta pronta nos atos que regulam o julgamento virtual no STF. Atualmente, as sessões virtuais não contam com nenhum campo de sinalização específica sobre proposta de modulação de efeitos suscitada em algum voto, nem se exige que os votantes se manifestem especificamente sobre o tema. Tampouco existe previsão expressa de se suspender a sessão e marcar nova assentada específica sobre o tema, embora essa medida já tenha sido tomada pela Presidência do STF [2]. 

Trata-se de mecanismos simples que poderiam ser implementados para o aprimoramento do plenário virtual, mas que precisam ser normatizados pelo Tribunal. Esperamos que esse debate seja em breve incluído na ordem do dia do Tribunal, para que o STF continue na boa trilha que vem percorrendo. 

[1] Cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 39ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2023, p. 877. 

[2] Cf. decisão do Ministro Luiz Fux na ADI nº 6.019, proferida em 23/04/2021 e publicada em 26/04/2021.