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Direito e Agenda ESG: panorama regulatório e perspectivas para o futuro

Joana Nabuco 

Este é o primeiro de uma série de textos que pretende abordar o tema da Agenda ESG sob uma perspectiva jurídica. A sigla é a junção das letras das palavras environmental, social and governance, ou governança socioambiental, em português. O termo ganhou projeção em 2020, quando, Larry Fink – CEO da BlackRock, maior gestora de ativos do mundo – afirmou que riscos ESG passariam a integrar suas decisões de investimento. Segundo ele, essa é a chave para garantir a rentabilidade a longo prazo. 

O conceito foi cunhado em 2004 pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (“ONU”) em estudo desenvolvido em parceria com representantes de diversas instituições financeiras.1 O relatório concluiu que empresas que têm um bom desempenho segundo critérios ESG gerenciam melhor os seus riscos e antecipam ações regulatórias, agregando mais valor aos seus acionistas e aumentando sua competitividade em um mercado global. Também contribuem para o desenvolvimento sustentável dos lugares em que operam e para a resiliência do mercado financeiro. 

A partir disso, é possível entender o que é, de fato, o ESG: trata-se de uma ferramenta de gestão de riscos. Empresas que incorporam critérios ESG às suas práticas mitigam riscos financeiros e não financeiros, incluindo riscos regulatórios e reputacionais, ganhando acesso facilitado a crédito, reduzindo sua volatilidade e aumentando sua longevidade. Por esse motivo, o ponto de partida para o desenvolvimento de uma estratégia ESG são os riscos envolvidos em determinada operação. O risco de vazamento de dados sensíveis é maior no contexto de uma empresa de tecnologia e do que no contexto da indústria extrativa, assim como o risco de litígio climático é maior para essa última do que para a primeira.  

Portanto, não é possível listar de modo exaustivo um rol mínimo de medidas que devam ser observadas por todas as empresas. O conceito-chave para compreender o ESG é a materialidade: deve-se identificar quais questões são mais relevantes em determinado contexto operacional (aquelas que são questões materiais) e priorizá-las. A materialidade varia a depender do perfil da empresa, indústria, local de operação, entre outros fatores. 

A origem do termo também mostra que as discussões sobre ESG foram impulsionadas pelo mercado financeiro. Dada a influência que as instituições financeiras exercem sobre organizações que recebem financiamento, as buscas pelo termo exponenciaram desde a carta do da BlackRock.2 Empresas iniciaram uma “corrida para o topo”, buscando se destacar junto a consumidores e investidores, e outras áreas também passaram a desenvolver soluções para problemas ESG.  

O Direito é um instrumento relevante nesse cenário, uma vez que viabiliza o mapeamento de riscos regulatórios e o desenvolvimento de estratégias de mitigação. De acordo com a rede dos Princípios para o Investimento Responsável (“PRI”),3 apenas em 2021, 225 mudanças regulatórias foram observadas nas 50 maiores economias do mundo incentivando investidores a considerarem fatores ESG.4 O número mais do que dobrou em relação ao ano anterior, o que demanda um esforço contínuo de adequação e aprimoramento de práticas empresariais ligadas à agenda. 

Além disso, muitas das soluções para problemas ESG se situam em vácuos regulatórios ou até mesmo esbarram em algum tipo de vedação legal. Nesses casos, o uso de ferramentas como o sandbox regulatório pode fomentar a introdução de inovações aos marcos regulatórios vigentes como forma de viabilizar a consecução de objetivos ESG.  

Este texto apresentará um panorama regulatório sobre temas dentro da agenda ESG que vêm sendo objeto de debates no Brasil, com algumas perspectivas para o futuro. Os temas são: (i) mercado de capitais; (ii) finanças sustentáveis; (iii) devida diligência em direitos humanos; (iv) mercado de carbono; (v) concessões florestais; e (vi) economia circular. 

Regulação ESG e o mercado de capitais 

Em janeiro de 2023, entrou em vigor a Resolução nº 59/2021 da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), que instituiu um novo regime de divulgação de informações ESG pelas companhias abertas. O modelo adotado pelo novo marco foi o “pratique ou explique”, isto é, demanda que as companhias apenas prestem informações sobre as suas práticas ESG e que justifiquem o porquê de adotar (ou não) determinada medida. Com isso, o objetivo da resolução foi garantir maior transparência ao mercado de capitais e fornecer informações mais claras e padronizadas a acionistas e investidores. 

Trata-se de um passo importante em matéria de regulação ESG no mercado de capitais. Os primeiros formulários divulgados com base na Resolução nº 59/21 revelarão dados relevantes sobre o grau de maturidade do mercado de capitais brasileiro em relação ao ESG e apontará novos caminhos regulatórios. A partir disso, espera-se que a CVM continue trabalhando para ampliar e aprimorar a regulação sobre o tema. 

Finanças sustentáveis 

O Banco Central do Brasil vem aprimorando a regulação bancária em matéria de ESG. O Edital de Consulta Pública nº 85 divulgou um conjunto de propostas normativas para o aprimoramento (i) da gestão de riscos sociais, ambientais e climáticos; e (ii) dos requisitos a serem observados do desenvolvimento de Políticas de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC). Como resultado, foram editadas cinco resoluções estabelecendo regras e respectivos prazos de adequação aplicáveis às instituições enquadradas nos diferentes segmentos do sistema financeiro nacional.5   

A obrigação de publicar uma PRSAC que incorpore riscos sociais, ambientais e climáticos é uma obrigação de reporte, não havendo uma obrigação de adoção de medidas específicas. Espera-se, com isso, que o aprimoramento das práticas ESG seja alcançado como resultado da inserção de determinados temas no processo de prestação de contas de certas instituições. Assim como no mercado de capitais, uma análise dessas políticas permitirá a identificação de padrões e a adoção de novas medidas regulatórias. 

Devida Diligência em Direitos Humanos 

O principal marco normativo internacional que destrincha a responsabilidade de empresas por abusos de direitos humanos são os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (POs). Segundo os POs, empresas têm a responsabilidade de respeitar direitos humanos. Isso inclui a responsabilidade de implementar processos de devida diligência para identificar, prevenir, mitigar e prestar contas sobre como lidam com impactos adversos sobre os direitos humanos e o meio ambiente, reais e potenciais, que possam ter relação com as suas operações. 

A despeito de ser um instrumento de soft law, os POs vêm inspirando diversos países ao redor do mundo a adotar medidas que tornem obrigatória a devida diligência em direitos humanos, como foi o caso da França e da Austrália. No Brasil, o Projeto de Lei nº 572/2022, em trâmite da Câmara dos Deputados, pretende instituir um marco regulatório sobre empresas e direitos humanos, o que inclui a obrigação de realizar a devida diligência. O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, já declarou que a aprovação do marco será uma prioridade do seu mandato, o que indica que os debates sobre o assunto devem se intensificar nos próximos anos. 

Mercado de carbono 

O Decreto nº 11.075/2022 regulamentou alguns aspectos da Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (“PNMC”). Em linhas gerais, o decreto determina que os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas – previstos no art. 11, parágrafo único, da PNMC6 – deverão estabelecer metas gradativas, mensuráveis e identificáveis para a redução de emissões e remoção de gases de efeito estufa (“GEE”). Determina, ainda, que agentes econômicos regulados têm o prazo de 180 dias, prorrogáveis por igual período, para apresentar sua proposta de curva de redução de emissões de GEE.  

Ainda existem muitos aspectos pendentes de regulamentação – o decreto não estabelece, por exemplo, quais são as metas de redução para cada setor –, mas o decreto cria as bases do que será o mercado de carbono regulado no Brasil. No Fórum de Davos, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que está trabalhando na regulamentação do mercado de carbono, de modo que a pauta deve se tornar prioritária nos próximos anos. 

Concessões florestais 

No final do ano passado foi aprovada a Medida Provisória nº 1.151/2022 (“MP”), que permitiu a comercialização de créditos de carbono e de outros serviços ambientais prestados em florestas naturais e em unidades de conservação, antes proibida. Com isso, a MP buscou tornar mais atrativas as concessões florestais e fomentar o mercado de carbono. Além disso, a MP também introduziu alterações nas regras de licitações e de licenciamento ambiental das concessões florestais, entre outras medidas.  

O texto está atualmente em análise pelo Congresso Nacional para rejeição ou conversão em lei. Nos próximos meses, será possível afirmar se a permissão seguirá valendo e, em caso afirmativo, quais serão os seus efeitos práticos para as concessões florestais e para o mercado de carbono. 

Economia circular 

A logística reversa de embalagens de plástico,7 papel e papelão,8 metal9 e vidro10 foi objeto de consultas públicas, por parte do governo federal, para a elaboração de decretos regulamentadores do art. 32, § 2º, e do art. 33, § 1º, da Lei nº 12.305/2010,1112 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (“PNRS”). Apenas o regulamento referente às embalagens de vidro foi publicado, de modo que podemos aguardar inovações regulatórias nessa seara nos próximos meses.  

No que tange às embalagens de vidro, o Decreto nº 11.300/2022 institui um sistema de logística reversa (“SLR”) em duas fases, uma preparatória e outra de implementação e operacionalização. As medidas preparatórias que compõem a primeira fase incluem a instituição de um mecanismo financeiro que garanta a sustentabilidade econômica do sistema, a criação de um grupo de acompanhamento de performance, a elaboração de planos de comunicação e de educação ambiental, entre outras. Já a segunda fase prevê a instalação de pontos de recebimento e consolidação, formalização de instrumentos legais entre cooperativas e associações de catadores, entre outros. 

Por fim, em fevereiro de 2023, foi editado o Decreto nº 11.416/2023, que institui três certificações relacionadas à logística reversa para empresas que atuam nos setores previstos no art. 33 da Lei nº 12.305/2010.13 São eles: (i) o Certificado de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa (“CCRLR”), que comprova a restituição ao ciclo produtivo da massa equivalente dos produtos ou das embalagens sujeitas à logística reversa; (ii) o Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral (“CERE”), que certifica a empresa que é titular de projeto estruturante de recuperação de materiais recicláveis; e (iii) o Certificado de Crédito de Massa Futura, que certificará o cumprimento antecipado de metas de logística reversa por uma empresa por meio da criação de sistemas estruturantes que atendam a certos requisitos. Espera-se, com isso, que sejam impulsionados os sistemas de logística reversa previstos já há tanto tempo na PNRS. 

Diante do exposto, nota-se, de um lado, um avanço a passos largos na regulação de temas ESG no Brasil. O cenário brasileiro acompanha a tendência mundial de proliferação de instrumentos normativos que têm por objetivo incentivar a adoção de práticas mais sustentáveis por parte de agentes econômicos. De outro, ainda há muitos aspectos pendentes de regulação, o que demandará adequações e aprimoramentos contínuos. O monitoramento dessas tendências permite a adoção de medidas em antecipação às ações regulatórias, o que reduz riscos e garante vantagens competitivas. Nos próximos artigos desta série, aprofundaremos e apresentaremos os desenvolvimentos observados nos temas aqui abordados, como forma de contribuir para esse monitoramento. 

1 PACTO GLOBAL. Who Cares Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World. Disponível em: <https://pt.scribd.com/fullscreen/16876740?access_key=key-16pe23pd759qalbnx2pv>. 

2 EXAME. ESG: Por que a busca pelo termo cresceu 1200% em 2 anos. Disponível em: <https://exame.com/esg/esg-por-que-a-busca-pelo-termo-cresceu-1200-em-2-anos/>.  

3 Grupo internacional de investidores institucionais formado no âmbito das Nações Unidas para compreender as implicações de fatores ESG nos investimentos e para dar suporte a seus signatários na incorporação desses fatores às suas decisões de investimento. 

4 UNPRI. Regulation database. Disponível em: <https://www.unpri.org/policy/regulation-database>. 

5 A Resolução CMN nº 4.943/2021, a Resolução CMN nº 4.945/2021, a Resolução BCB nº 151/2021, Resolução CMN nº 4.944/2021 e a Resolução BCB nº 139/2021. 

6 Estabelece que os agentes econômicos dos seguintes setores devam desenvolver planos setoriais: geração e distribuição de energia elétrica, transporte público urbano, sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, indústria de papel e celulose, mineração, construção civil, serviços de saúde e agropecuária. 

7 Disponível em: <https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-embalagens-de-plastico>. 

8 Disponível em: <https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-embalagens-de-papel-e-papelao>. 

9 Disponível em: <https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-embalagensde-metal>. 

10 Disponível em: <http://consultaspublicas.mma.gov.br/decretoembalagensdevidro/>. 

11 “Art. 32. As embalagens devem ser fabricadas com materiais que propiciem a reutilização ou a reciclagem. (…) § 2º O regulamento disporá sobre os casos em que, por razões de ordem técnica ou econômica, não seja viável a aplicação do disposto no caput (…)”. 

12 “Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de: (…) § 1º  Na forma do disposto em regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas previstos no caput serão estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados (…)” (grifou-se). 

13 “Art. 33.  São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de: I – agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas; II – pilhas e baterias; III – pneus; IV – óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; V – lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; VI – produtos eletroeletrônicos e seus componentes (…)”.