Presidencialismo em xeque: em que momento a política esbarra no direito?

O texto aborda a disputa entre o Congresso Nacional e a Presidência da República sobre o controle do orçamento, destacando a troca de farpas entre o presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Historicamente, o controle do orçamento tem sido predominantemente do Poder Executivo, devido ao sistema presidencialista brasileiro. Esse sistema, chamado de “presidencialismo de coalizão” por Sergio Abranches, exige que o presidente forme uma base de apoio no Congresso para implementar sua agenda, o que é alcançado em parte através do controle do orçamento. Apesar das tentativas de mitigar a fragmentação partidária desde 1988, o custo da formação da coalizão continua relevante. Isso levanta questões sobre a viabilidade do presidencialismo brasileiro em um cenário em que o controle do orçamento seja compartilhado em maior medida com o Legislativo. A falta de respostas fáceis para essa questão destaca a urgência em considerar o problema para preservar a Constituição e o sistema democrático brasileiro.

Leia o artigo na íntegra clicando aqui

O STF e o Direito do Trabalho: um ano que já começa relevante 

Os advogados Rafael Lorenzo Fernandez Koatz e Filipe Seixo de Figueiredo publicaram no JOTA o artigo “O STF e o Direito do Trabalho: um ano que já começa relevante”.O texto aborda o julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.458.842 pelo Supremo Tribunal Federal. O caso discute a natureza jurídica de programa implementado pelo Walmart Brasil que facultava aos gestores do grupo debaterem com seus subordinados, quando possível, soluções para a superação de casos de performance insatisfatória ou de condutas inadequadas antes de dispensá-los.Isso porque o Tribunal Superior do Trabalho considerou o programa como cláusula contratual, tornando nulas as demissões que não o observassem integralmente. 

Leia o artigo na íntegra  clicando aqui.

Viagem redonda: a Lei 14.133/21 e o resiliente problema das normas gerais

Errar é humano. E, ao que parece, reincidir no erro também. A Lei 14.133/2021, obstinadamente, instituiu um verdadeiro código de licitações e contratações públicas, tratando da matéria de forma exaustiva e sistematizada. Como já o fizera a Lei 8.666/1993, o art. 1º do novo diploma proclama que todas as suas normas são gerais, independentemente de seu conteúdo específico. Retornamos, assim, ao problema do regime anterior: o constituinte (CF, art. 22, XVII, na forma da EC 19/98) delegou ao Congresso o poder para redefinir o conceito de norma geral ou o legislador, ao entrar em tantos detalhes, acabou editando normas específicas, obrigatórias apenas para a Administração federal e não para os entes subnacionais? 

Ao julgar a ADI 927 (do relator, ministro Carlos Velloso), o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que normas da Lei 8.666/1993 que limitavam doações e permutas com bens públicos eram específicas – portanto apenas federais, não nacionais. Estados e municípios poderiam legislar, quanto ao tema, de modo diverso. Mas como generalizar o critério, se o conceito de norma geral é do tipo indeterminado?

Na ADI 4.658 (relator, ministro Edson Fachin), a corte invalidou lei paranaense que ampliara hipótese de dispensa de licitação, enquanto na ADPF 282/RO (relator, ministro Gilmar Mendes) derrubou a lei municipal que criara modalidade de PPP para mera execução de obra pública. Em ambos os casos a norma geral foi tida como violada. Já nas ADPFs 971, 987 e 992 (relator, ministro Gilmar Mendes), o STF validou lei do município de São Paulo que permitia a prorrogação e a relicitação de contratos de concessão de maneira distinta da norma federal.

A Lei 14.133/2021 incorporou leis e decretos federais, além da jurisprudência do TCU. Nela há dispositivos situados na zona de certeza negativa do conceito de norma geral – como os que tratam de meios de pagamento (art. 75, §4º), critérios para “carona” em atas de registro de preços (art. 86) e atuação dos advogados públicos (art. 10) – como outros posicionados, no mínimo, na chamada zona de incerteza – como a definição de quem pode ser agente de contratação (art. 6º, LX), os critérios para cálculo da estimativa orçamentária (art. 23, §1º e 3º) e da margem de preferência para bens e serviços nacionais e sustentáveis (art. 26). 

Respeitada a zona de certeza positiva do conceito de norma geral (modalidades e tipos de licitação; exceções ao dever de licitar; requisitos de existência válida dos contratos e alguns outros), a cada ente federativo compete fazer as escolhas normativas adequadas a suas necessidades e peculiaridades, especialmente nos campos de gestão financeira, patrimonial e de servidores. Essas são matérias típicas da esfera intestina de cada unidade federada. Para as situações de incerteza, deve-se reconhecer uma margem de apreciação aos entes subnacionais, protegida por algum grau de deferência judicial, pois só eles podem avaliar as dificuldades e obstáculos concretos à implementação do novo regime licitatório. Com isso, preserva-se também um espaço de experimentação institucional, para testes de modelos inovadores nos níveis local e regional, contra a postura excessivamente centralizadora do legislador federal.

Comentários à nova LINDB – Lei nº 13.655/2018

Nosso sócio Andre Cyrino é coautor, em conjunto com Paulo André Espirito Santo, do artigo intitulado “Por um dever regulamentar: O Art. 30 da LINDB”, que faz parte da obra “Comentários à nova LINDB – Lei nº 13.655/2018”, organizada por Rafael Ramos. O trabalho aborda os limites e as possibilidades de um “dever regulamentar” da Administração Pública.

Já o advogado Dante Tomaz assina o artigo “Comentários ao artigo 23 da LINDB”. Partindo do fundamento constitucional do dispositivo, o autor analisa seus destinatários, pressupostos de incidência e parâmetros de aplicação, tudo com vista a facilitar sua operacionalização prática.

Resolução da Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) nº 19, de 29/05/2023

Em 31/05, foi publicada a Resolução da Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) do Estado de São Paulo nº 19, de 29/05/2023, que “estabelece procedimento para avaliação, no âmbito da Secretaria de Parcerias em Investimentos, de medidas para mitigação do impacto de desequilíbrios econômico-financeiros em contratos de delegação de serviços públicos de que trata o artigo 12 do Decreto nº 67.435, de 1º de janeiro 2023”.

A resolução foi editada com o objetivo de dar um tratamento a diversos pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro no âmbito da SPI que envolvem assuntos de elevada complexidade e nos quais a mensuração definitiva tem levado a processos administrativos que se arrastam ao longo do tempo.

Como forma de mitigação de desequilíbrios identificados nos contratos de concessão, o art. 2º da resolução previu a possibilidade de aplicação, a título cautelar, de uma série de medidas com efeitos econômico-financeiros, que podem envolver desde a antecipação, postergação ou cancelamento de investimentos programados até a inclusão de investimentos adicionais ou mesmo a elevação ou redução de tarifas.

A resolução também previu hipóteses de obrigatoriedade tanto da avaliação do cabimento de tais medidas de mitigação (art. 3º), quanto hipóteses em que essas medidas necessariamente serão aplicadas (art. 6º).

Ainda, a aplicação de medidas cautelares deverá ser limitada ao percentual de 80% do impacto econômico-financeiro estimado para o evento de desequilíbrio (art. 6º, parágrafo único) e, uma vez deferida, será atribuída tramitação prioritária aos processos administrativos para uma mensuração definitiva do desequilíbrio e o consequente ajuste das medidas de recomposição (art. 7º, I).

A Resolução é mais do que bem-vinda. É necessária. Em nome da racionalidade e viabilidade desses contratos de parceria, para ambos os lados. Que sirva de inspiração.

Resolução no Diário Oficial: https://lnkd.in/dPHMKBEp

GBA Law inaugura escritório em São Paulo

O escritório Gustavo Binenbjom & Associados inaugura, no próximo dia 01 de dezembro, sua sede na cidade de São Paulo. A abertura do escritório, localizado na Rua Ramos Batista, 152 – 5º andar – Vila Olímpia, é um marco que consolida a atuação do escritório na maior capital do Brasil e projeta a ampliação das atividades na capital paulista, em todas as áreas de prática.

Ver áreas de atuação do escritório

Gustavo Binenbojm toma posse na Academia Brasileira de Letras Jurídicas

Nosso Sócio e Professor Gustavo Binenbojm ocupará a cadeira de número quatro na Academia Brasileira de Letras Jurídicas. A posição, anteriormente ocupada pelo Professor Paulo Bonavides, tem o grande jurista Afonso Arinos como patrono.

A cerimônia de posse foi realizada no dia 07 de novembro, no Centro Cultural da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, no centro do Rio.

Para Gustavo, “a Academia Brasileira de Letras Jurídicas é uma instituição tradicionalíssima, que reúne grandes juristas brasileiros, responsáveis pela construção e difusão da cultura do Direito entre nós”.

Fundada em 1975, a ABLJ é uma associação civil reconhecida de utilidade pública federal. A instituição, composta por 50 bacharéis, tem como objetivo o estudo do Direito em todos os seus ramos.

Papel da sanção na melhoria dos serviços públicos e demais atividades reguladas

Por Alice Voronoff e Flavine Meghy Metne Mendes
Artigo originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico.

Passados mais de 20 anos da institucionalização das agências reguladoras no Brasil, a regulação permanece vívida nos aspectos da prática e teoria e, não raro, vem assumindo a centralidade de inúmeros debates promovidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A função normativa é a função, por excelência, que sempre despertou muito interesse dos pesquisadores, economistas e estudiosos da área jurídica em geral. É sobre ela que se espraiam as tipologias de Análise de Impacto Regulatório, monitoramento prospectivo e retrospectivo da carga regulatória normativa, além de outros aspectos não menos indissociáveis de aferição dos impactos da regulação na economia.

Entretanto, é o exercício da função fiscalizatória que permite a detecção de suposta infração (contratual ou não) e do descumprimento de metas e exigências regulatórias em geral, de forma que, após sua comprovação, nasce para a entidade regulatória a possibilidade de impor medida punitiva ao regulado. Por óbvio, é sobre essa função que incide o Direito Regulatório Sancionador.

Na materialização do poder sancionatório, a penalidade pecuniária é a sanção invariavelmente mais aplicada no dia a dia das agências reguladoras, independentemente de se tratar de um contexto fático inédito ou corriqueiro. Mas é preciso questionar se a referida estratégia é a mais adequada e eficiente à luz dos objetivos legais e institucionais das entidades reguladoras, incluindo o de promoção da maior conformidade do comportamento dos regulados. E a pergunta é ainda mais pertinente no contexto de serviços públicos regulados cuja prestação foi delegada à iniciativa privada, nos quais contratos de longo prazo e incompletos sujeitam-se ao influxo de riscos, inovações, demandas e mudanças comportamentais inusitados.

O que se espera a cargo das agências é a adoção de atos coerentes à efetividade da regulação e, para que isso seja possível, confia-se que as decisões regulatórias serão cada vez mais proporcionais, razoáveis, técnicas, eivadas de conhecimento multidisciplinar e equidistantes, sob os desígnios de uma neutralidade desejável dos interesses dos atores envolvidos – como concedente, concessionários e usuários nos casos em que a regulação incide sob atividade prestada por particular delegatário de serviço público.

Em paralelo, vale rememorar parte das premissas do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRE), aprovado em 21 de setembro de 1995, particularmente aquelas que fomentam a importância da institucionalização de entes reguladores como autênticos supervisores do jogo econômico, estabelecendo regras, amortecendo tensões e conflitos, ao mesmo tempo em que ostentam condições assecuratórias de equilíbrio de atuação dos atores econômicos, em um desejável fortalecimento ao bem-estar social.

Essas premissas guardam coerência com as atividades primaciais da regulação: definição de metas, pautas e atingimento das finalidades regulatórias a cargo das entidades reguladoras; traduzindo-se o poder sancionatório como instrumento de coerção para o efetivo alcance das condutas desejadas. Isto é, como uma dentre as diversas ferramentas passíveis de serem utilizadas para assegurar e incentivar a conformidade, em meio a um cardápio que inclui, dentre outras, estratégias informativas, recomendações, sanções premiais, arranjos da economia comportamental e meios consensuais.

O conceito é de extrema relevância, já que demonstra que nem sempre penalizar é o melhor caminho ou garantia de atendimento ao interesse público. Nos serviços públicos, há que se ponderar os benefícios que poderão ser trazidos aos usuários com a imposição de sanção.

Nesse passo, tendo-se em mente os eixos determinantes da atividade regulatória do Estado, é de se refletir sobre o papel da penalidade pecuniária aplicada num contexto de falhas do serviço correlatas a fatos geradores inéditos, repetitivos ou similares. Em suma, apesar de didática, a multa simplesmente não é capaz de inibir novos incidentes. Daí se indagar: a repetição imoderada de multas exterioriza ineficiência do serviço público ou, ao contrário, da própria regulação estatal? Qual é o papel da multa para a melhoria do serviço público?

Em linha com o entendimento de Barbosa Neves, só há verdadeira regulação estatal onde houver autonomia, sendo indispensável que a autoridade reguladora seja dotada de independência e estabilidade para a prática do ato. Logo, a penalidade pecuniária deve ser aplicada se, de fato, for menos onerosa e eficaz em dissuadir condutas indesejadas. A rigor, não há nenhum ineditismo aqui e pode-se dizer que essa é ratio do clássico princípio constitucional da proporcionalidade que vincula o atuar da Administração Pública, na sua dimensão de necessidade. Dito de outra forma, havendo uma pluralidade de meios que satisfaçam os imperativos regulatórios, deverá o regulador optar por aquele que seja menos gravoso. A sanção, neste contexto, deverá ser o último recurso empregado.

É justamente sob influxo do princípio da proporcionalidade que se discute o caráter didático da multa, adstrito aos seus respectivos limites, de forma que a mera imposição reiterada, sem juízo reflexivo (em semelhança ao que se faz por meio da AIR) pode expressar desvio de finalidade regulatório. Mais ainda, à revelia dos valores consubstanciados nas recentes alterações promovidas na LINDB, comportamentos dessa natureza fecham os olhos para importantes avanços conquistados pelo Direito Administrativo, como a busca da consensualidade — norte na solução de conflitos entre os segmentos público e privado.

Em nome do equilíbrio que se busca por meio da redefiniçao das funções do Estado, como ensinam Voronoff e Mendes, a virtude está no meio. Meio esse que não se alcança pela aplicação irresponsável do direito em detrimento dos princípios norteadores da regulação, nem pela omissão do gestor na apuração de falhas contratuais. As violações contratuais têm de ser investigadas, endereçadas e, se for o caso, punidas com rigor. Igualmente, não podem ser deixados de lado as falhas e anacronismos tecnológicos a que os contratos de concessão mais antigos estão mais sujeitos.

A regulação deve ser apta a produzir mudanças efetivas e concretas na economia e, por essa razão, não há efeito algum, à luz da eficiência, na aplicação de uma medida sancionatória grave, se o ato não tem a mínima aptidão para modificar a realidade. Não à toa, em diversas passagens do Acórdão n° 1970/2017, o Tribunal de Contas da União (TCU), no monitoramento do acompanhamento da arrecadação de multas aplicadas, reitera a necessidade de demonstração por parte das entidades federais, com atribuições de fiscalização e controle, da correlação da aplicabilidade da multa com a melhoria efetiva do serviço público.

Ao que se vê, a penalidade não é um fim em si mesmo. A agência reguladora deve adotar soluções tendentes à melhoria constante do serviço, competindo-lhe, em coerência com princípio da atualidade, fomentar o aperfeiçoamento dos contratos, serviços regulados, subordinada assim ao estado das coisas (realidade), influenciado cada vez mais pelas implicações das inovações.

É oportuno lembrar que a pandemia provocada pela Covid-19 acelerou os avanços e implementação de novas tecnologias. O uso da robótica vem se mostrando cada vez mais eficiente em inspeções de tubos enterrados. Novas formas de monitoramento permitem uma leitura mais clara do estado da arte de uma determinada rede de tubulações, facilitando em curto espaço de tempo o reparo necessário ao mesmo tempo em que afasta os riscos de escavações desnecessárias. Na Índia, os robôs são utilizados para mapeamento da rede de esgoto na identificação dos reparos necessários. Em Israel, sensores de satélite percorrem os céus para detectar vazamentos de água, facilitando o célere lançamento de ações corretivas. São esforços significativos alinhados à regulação responsiva e que podem ser bem
trabalhados por meio da celebração de termos consensuais substitutivos de sanções.

Sob esse espectro, Barbosa Neves é enfático ao reafirmar que as agências reguladoras dispõem do poder punitivo como poderoso instrumento para proceder e exigir alterações, adequações. Isso tudo pode ser manejado por meio de obrigação de fazer, exsurgindo a aplicação da multa como recurso instrumental ao cumprimento da medida regulatória que se requer, com significativa vantagem aos usuários.

Referências bibliográficas
BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory, strategy and practic. Oxford: Oxford University Press, 2012, p.1.

BARBOSA NEVES; Sergio Luiz. Limites à função sancionatória das agências reguladoras de serviços públicos. Revista de Direito Administrativo e Gestão
Pública Minas Gerais, v.1, p. 103-119, jul/dez.215.

MENDES, Flavine Meghy Metne. Processo normativo das agências reguladoras: atributos específicos à governança regulatória. São Paulo: Giz Editorial.


ROOT, Rebela L. Robots, drones, and AI: The new technology making waves in Wash. https://www.devex.com/news/robots-drones-and-ai-the-new-technology-
making-waves-in-wash-99312.


THIENE, Peter Van; et. al. Robotcs in the water industry. https://www.kwrwater.nl/en/actueel/robotics-in-the-water-industry/.
VORONOFF, Alice; MENDES, Flavine. Realidade vence o direito? O princípio da segurança jurídica. CONJUR. Artigo publicado em 31 de julho de 2022.


https://www.conjur.com.br/2022-jul-31/voronoffe-mendes-principio-seguranca-juridica.
Alice Voronoff é doutora e mestre em Direito Público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diretora acadêmica do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro e sócia do escritório Gustavo Binenbojm & Associados.


Flavine Meghy Metne Mendes é pesquisadora do Centro de Estudos de Regulação e Governança dos Serviços Públicos, conferencista, consultora jurídica, doutoranda em políticas públicas pela UFRJ e autora de artigos científicos na ambiência regulatória.

Por um regime jurídico mínimo do direito administrativo sancionador

Por Alice Voronoff
Artigo originalmente publicado no Revista Consultor Jurídico.

Faz sentido a modernização da Lei do Processo Administrativo federal — para se tornar, inclusive, nacional —, diante das irrefreáveis tendências e evolução porque passaram a prática e a compreensão das relações estabelecidas entre a Administração Pública e particulares. Mas faz ainda mais sentido essa modernização para se criar uma disciplina jurídica mínima aplicável ao direito administrativo sancionador. Em verdade, difícil é entender por que, até agora, esse salto civilizatório tardou a se apresentar.


O direito administrativo se alastrou. Ocupou espaços. No trânsito, na vigilância sanitária, no setor elétrico, no meio ambiente e em tantas outras dimensões das relações jurídicas travadas pelas pessoas e por seus negócios. E parte relevante desse fenômeno de “administrativização” da vida se faz sentir justamente no campo sancionatório. Ou seja, quando o particular descumpre prescrições administrativas e fica sujeito a uma ou mais medidas estatais coercitivas com efeitos negativos. Advertência, multa, suspensão de direitos, apreensão de mercadorias, fechamento de estabelecimentos, publicação de informações, dentre outras. Há um conjunto realmente variado de gravames no cardápio da Administração Pública, aplicados segundo uma lógica de comando e controle.


Até aí, nenhuma novidade. A perplexidade era, e é, a incerteza jurídica em torno da aplicação dessas punições, cenário que vulnerabiliza garantias de estatura constitucional e se converte em custos — associados, por exemplo, a processos sancionatórios pouco transparentes e instaurados de maneira pro forma, apenas para “legitimar” decisões já tomadas. Isso, quando instaurados, porque a realidade de muitos entes federativos subnacionais, especialmente municípios, é de ausência completa de um grau mínimo de institucionalidade.


Por isso a propositura de uma disciplina própria dedicado ao direito administrativo sancionador no anteprojeto de lei ordinária para a reforma da Lei nº 9.784/99, recentemente apresentado pelo Relatório Final da Comissão de Juristas instituída pelo Ato Conjunto dos Presidentes do Senado e do Supremo Tribunal Federal n⁰1/2022, é de ser aplaudida e apoiada. É verdade que o direito a um procedimento sancionatório prévio e adequado decorre da própria Constituição; que leis esparsas fixaram, ao longo do tempo, previsões mais ou menos minudentes nesse sentido (a exemplo do artigo 4º-A, II, da Lei de Liberdade Econômica); e que, inclusive, na alteração promovida na Lei de Improbidade Administrativa, o legislador remeteu expressamente aos “princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.


Mas o potencial transformador do regime jurídico mínimo proposto pela Comissão de Juristas é incomparável, em uma sistematização que, de uma só tacada: 1) diz expressamente o óbvio (porque o óbvio precisa ser dito); 2) propõe mudanças incrementais para aperfeiçoar um modus operandi em curso; e 3) vai além, com uma dose palpitante de ousadia, para sugerir inovações jurídicas voltadas a induzir transformações. Dou um exemplo de cada.


O artigo 68-G prevê que “O investigado, sindicado ou processado tem o direito de permanecer em silêncio em interrogatórios, ou depoimentos e o seu silêncio não caracterizará confissão”. O direito à não autoincriminação está previsto no artigo 5º, LXIII, da Constituição, e no artigo 8º, inciso 2, “g”, do Pacto de São José da Costa Rica, que assegura a toda pessoa acusada de delito o “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. A lei não precisaria esclarecer que essa previsão abrange o exercício do poder punitivo estatal independentemente da forma como ele se manifeste — pela via penal ou administrativa. Mas é importante que seja dito em um Brasil de muitas realidades distintas, assimetrias de informação e injustiças.


Já o artigo 68-C, “d” estende o instituto da decisão coordenada para a esfera administrativa sancionatória. Foi relativamente há pouco tempo que a Lei nº14.210/2021 inseriu os artigos 49-A a 49-G na Lei nº 9.784/99 para disciplinar a articulação no âmbito da Administração Pública federal quando as decisões administrativas exijam a participação de três ou mais setores, órgãos ou entidades. Mas sua potencialidade acabou de certa forma podada diante da previsão de que a decisão coordenada não se aplica quando o processo envolver “poder sancionador”. A proposta do anteprojeto é de que as autoridades administrativas e controladoras poderão “atuar de forma coordenada com outro órgão, com a finalidade de instrução e decisão conjunta, hipótese em que, havendo a possibilidade
de aplicação de sanção de igual natureza por mais de um órgão, a pena final aplicada não deverá superar a pena mais grave”.


Por fim, o §3º do artigo 68-G do anteprojeto estabelece que “§3º A Administração pública tem o dever de garantir a cadeia de custódia preservando todos os elementos de prova acessados ou examinados no curso da investigação preliminar, sindicância ou processo administrativo sancionador”. A ideia é levar para o processo administrativo sancionador cautelas exigidas pelos artigos 158-A e 158-B do Código de Processo Penal. Se aprovada, a proposta imporá transformações não apenas materiais à Administração Pública, que precisará conformar suas práticas a despeito da escassez de recursos e de qualificação, mas sobretudo culturais e institucionais.


A Constituição aboliu a verdade sabida. Condicionou a punição a um procedimento prévio que assegure ampla defesa. Mas já é tempo de ir além, para se assegurar, vez por todas, o direito à higidez desse procedimento, nem sempre claro, nem valorizado por quem interpreta e aplica o direito. O anteprojeto abre a oportunidade para essa e outras benfazejas transformações.

Alice Voronoff é doutora e mestre em Direito Público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diretora acadêmica do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro e sócia do escritório Gustavo Binenbojm & Associados.

Realidade vence o direito? O princípio da segurança jurídica

Por Alice Voronoff e Flavine Meghy Metne Mendes
Artigo originalmente publicado no Revista Consultor Jurídico.

“Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.” Eis o teor do artigo 22 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Lind), inserido pela Lei nº 13.655/2018. Não obstante a ratio que motivou a edição do dispositivo — associada à ideia de, em coerência com o princípio da juridicidade, abrir-se espaço para ponderações legítimas entre os obstáculos presentes na realidade do gestor público, de um lado, e o cumprimento estrito das exigências legais, de outro, é preciso um cuidado maior na sua aplicação, notadamente à luz da conquista e universalização dos direitos e garantias fundamentais.

Uma leitura apressada, imediatista e descontextualizada do dispositivo legal pode imprimir falsas impressões daquilo que de fato se pretendeu positivar. Aliás, o risco não é trivial. Lembre-se dos entendimentos estanques em torno da compreensão do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, que perduraram por um bom tempo na literatura. Propunha-se e defendia-se uma concepção fechada, rígida, não raro associada exclusivamente ao atendimento aos interesses da própria Administração, o que ensejou uma profícua proliferação de pesquisas acadêmicas em torno da sua releitura. Pode-se dizer que experimentamos uma trajetória marcada por avanços e retrocessos no Direito
Administrativo.

A experiência havida quanto ao princípio em questão ascende preocupações em torno da leitura — simplista — que vem sendo a do artigo 22. Cada vez mais podem ser verificados “jargões” do tipo: Primado da realidade, Supremacia da realidade, A realidade prepondera sobre o Direito, e, ainda, A realidade vence o Direito. Frases que fomentam o risco de proliferação de ideias, impressões, opiniões ou, o que é pior, tendências a legitimar o ilegitimável aos olhos do sistema jurídico. Não há dissonância entre Direito e Realidade. A relação entre eles é indissociável, e sobrevém especialmente quando se investiga a efetividade do direito posto.

É de se rememorar, em termos de controle preventivo, a importância do elemento sistemático de interpretação jurídica. A aplicação da norma deve buscar harmonia com os valores esculpidos no ordenamento jurídico, com destaque para o princípio da segurança jurídica, o qual, aliás, foi a fonte inspiradora da alteração da Lindb.

Rememorando trecho parcial do artigo intitulado “A regulação normativa e o critério da segurança jurídica”, publicado aqui na ConJur, em 26 de outubro de 2021, a segurança jurídica requer mais do que clareza para que se possa atender aos desafios atuais. O princípio demanda a realização de esforços ativos no sentido de se removerem obstáculos à participação dos cidadãos na vida política, econômica, jurídica e social. Em poucas palavras, compete às autoridades públicas promover condições para que os princípios da liberdade e igualdade dos cidadãos sejam efetivamente usufruídos.

Pela natureza das responsabilidades e equilíbrio dos interesses em jogo, um dos eixos determinantes da segurança jurídica é a confiabilidade na manutenção de um balanço equilibrado, com respeito ao papel dos diversos atores sociais. É crucial, portanto, lançar novo olhar à manutenção da ordem, função classicamente entranhada no rol das competências exclusivas do Estado. A complexidade dos desafios a enfrentar e os efeitos da difusão e propagação dos riscos ampliaram consideravelmente seu alcance, reclamando, em reforço à coesão social e segurança jurídica, mobilização de vários níveis de intervenção e o concurso de vários atores públicos e privados.

A segurança jurídica demanda, a um só tempo, responsabilidade organizacional dos contextos nos quais serão tomadas as decisões públicas.

Conjugando os valores em questão com a mens legis do artigo 22 da LINDB, é fácil concluir o cuidado que se deve ter na aplicação desta comando, particularmente para que não se torne um grande “coringa” capaz de justificar toda e qualquer omissão administrativa em detrimento do “Direito”.

Em outras palavras, em nome do equilíbrio organizacional e diversidade dos desafios que se espraiam na federação, o artigo 22 pode funcionar, caso não utilizado com cautela, como arbitrário salvo-conduto ao não cumprimento das premissas legais em razão da realidade específica do ente federativo questão, o que pode colocar em xeque a garantia dos direitos fundamentais do cidadão e da própria legalidade.

Se estiver em jogo conflito de interesses entre valores constitucionais, o intérprete tem ao seu alcance o manejo da ferramenta da ponderação de interesses. Resumidamente, expressa a tônica do alcance do ponto ótimo, em que a restrição de cada um dos direitos fundamentais envolvidos na análise do caso concreto seja a menor possível, na medida exata à salvaguarda do princípio da segurança jurídica, sem perder de vista as circunstâncias, possibilidades e pesos aos elementos jurídicos que se entrelaçam para o deslinde da matéria.

Eis aí, em linha com a cultura da gestão dos riscos, um risco jurídico, assim concebido como a probabilidade de lesão aos direitos, que deve ser atenta e cuidadosamente gerenciado, evitando-se que se torne, segundo a professora Irene Nohara uma “brecha capciosa” para alegações como a seguinte: não tendo a realidade permitido cumprir adequadamente as exigências legais, seria “possível” deixa de lado direitos e garantias.

“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”: a virtude está no meio, como de há muito ensinou Aristóteles. Meio esse que, no caso do artigo 22 da Lindb, não se alcança nem pela aplicação irresponsável do Direito em detrimento da realidade, nem pela omissão negligente do gestor que invoque a realidade para deixar de aplicar o Direito. São construções em cada caso e, sobretudo, motivadas, que poderão trazer à tona a aplicação legítima do dispositivo legal, sem que direitos e garantias fundamentais sejam fragilizados.

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Edipro: São Paulo, 2003.
MENDES, Flavine Meghy Metne. A regulação normativa e o critério da segurança jurídica. Consultor Jurídico. Artigo publicado em 26 de outubro de 2021.
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. Atlas: São Paulo, 2019.

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001.
Alice Voronoff é doutora e mestre em Direito Público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diretora acadêmica do Instituto de Direito
Administrativo Sancionador Brasileiro e sócia do escritório Gustavo Binenbojm & Associados.
Flavine Meghy Metne Mendes é pesquisadora do Centro de Estudos de Regulação e Governança dos Serviços Públicos, conferencista, consultora jurídica,
doutoranda em políticas públicas pela UFRJ e autora de artigos científicos na ambiência regulatória.